25 de janeiro de 2013

Crítica | Django Livre

DJANGO UNCHAINED
(DJANGO LIVRE)

Escrito e dirigido por: Quentin Tarantino
Elenco: Jamie Foxx, Christoph Waltz, Leonardo DiCaprio, Samuel L. Jackson, Kerry Washington…
Duração: 165 minutos
Ano: 2012

Explosão de referências mascara o “filme dos sonhos” de Tarantino, mas ainda é capaz de fadar o cineasta de críticas.

Análise: Com o plano derradeiro e definitivo da penúltima obra de Quentin Tarantino, Bastardos Inglórios (2009), um típico contra-plongée que ascende o extasiado Tenente Aldo Raine (Brad Pitt) acima da plateia ao afirmar que “aquela” era sua obra-prima, imaginamos seu diretor mirando os espectadores e repetindo a mesma frase. Mas, com tantos filmes na carreira de vinte anos desta cult persona, fica até difícil descobrir qual é, de fato, o seu melhor projeto; o que interessa é que ele dificilmente erra o alvo, provando tal fato três anos após a cortina se cerrar para os “caçadores de nazistas” – essa contagem na vida real, pois, na ficção, o regresso é de quase 100 anos – para se abrir em uma revisita aos “caçadores-de-recompensa”. 
Ainda com Bastardos à tona, Tarantino mantém-se na mesma pegada quando se trata em reescrever períodos históricos com sua frisante criatividade. Em Django Livre, entretanto, ele não apenas reinventa uma época, mas também um gênero; e mais que um simples gênero, o western (se bem que, neste caso, podemos alterá-lo para southern, pois se passa no sul) foi aquele que consolidou o cinema norte-americano. É a partir desse ponto que a riqueza da película se mostra maior do que parece. Ao substituir a Segunda Guerra Mundial e suas figuras de vital importância por anos antes à Guerra da Secessão e a escravidão no sul de seu país natal, sem célebres personagens da vida real, o roteirista/diretor aposta mais uma vez no tema “vingança” – uma marca registrada já tão aclamada e utilizada na maioria de seus projetos. 

Dessa vez com um olhar mais aprofundado para a natureza social da época, ainda mais ao retratar os escravos como retratou (e gerou muita polêmica!), somos presenteados com uma abertura de fazer chorar os olhos mais sensíveis e fanáticos (os meus, por exemplo), na qual conhecemos o personagem-título: Django Freeman (Foxx) inicia como um coitado acorrentado, apesar de tal situação não demorar muito a se reverter, sendo nesta o primeiro dos ápices de toda a projeção – a libertação do escravo ganha sofisticação em uma câmera lenta, dramática e poética. E durante toda a negociação para sua compra, o nome e personalidade que mais ganha força é o do doutor e caçador-de-recompensas alemão King Schultz (o coadjuvante de peso, Waltz), dispensando comentários apenas por sua apresentação e se mostrando um calculista imperdoável como Hans Landa – os traços de ambas as personas parecem ter limitado o ator, que, apesar de tudo, dá um show. 

Liberto pelo estrangeiro com o objetivo de identificar três irmãos foras-da-lei, os quais eram seus antigos donos, Django ainda receberia a ajuda de seu mentor para resgatar a esposa Broomhilda von Shaft (Kerry Washington) das garras do vilão Calvin Candie (DiCaprio em uma atuação potente), herdeiro e dono da bizarra fazenda CandieLand, onde acontecem as chamadas “lutas de mandingos” – na qual escravos, ou praticamente gladiadores, guerreiam entre si até a morte. É com a primeira luta que o clima começa a esquentar por aquelas bandas, gerando como consequências cenas bastante pesadas e o aparecimento de outros importantes coadjuvantes na trama: Stephen (Jackson) é o negro preconceituoso com a própria raça, empregado de longa data da família Candie, e que acaba virando uma peça necessária para a história. Bem menos relevante – na verdade, apenas fazendo uma ponta com o simples intuito de ser homenageado – surge o “primeiro Django” (Franco Nero) questionando o nome do escravo e recebendo a já famosa resposta contida nos trailers: “Django... o D é mudo”


Como de hábito, a violência também não poderia faltar em sua forma mais brutal e mesmo assim hilariante, seja em cenas sanguinolentas ou em diálogos ácidos; a aspereza que preenche a tela chega a ser, inclusive, uma das mais visíveis de todos os filmes de Tarantino. O que pode soar como imprevisto aos fãs é a forma de como a narrativa se desenvolve: sem a montagem exorbitante da falecida Sally Menke, quem assume a função é Fred Raskin, e o resultado se mantém na média, variando de positivo (a transformação do escravo em um homem sem piedade) para negativo (a quebra do ritmo crescente com flashbacks). 

No aspecto musical, de nada se pode reclamar. Até mesmo as composições originais, que vão desde a suavidade de Freedom até o rap de batida forte de A Hundred Black Coffins, por vezes acabam se sobressaindo às músicas clássicas de Ennio Morricone, Luiz Bacalov e Riz Ortolani*. O que se pode ter certeza é que, independente da música, a cena automaticamente já ganha força tendo algum dedo musical do exímio conhecedor da cultura pop que é Tarantino. 
Com um tiroteio final em que é impossível não remeter ao estilo de Sam Peckinpah, Django Livre acrescenta à sua fórmula uma beleza estética bem sucedida e um nível cômico dos melhores em toda a obra do cineasta. Seu roteiro, igualmente genial, é capaz de relacionar o aparentemente comum nome de Broomhilda com a Valquíria da ópera de Richard Wagner, que, na lenda, é salva por seu amado Siegfried; captada pelas lentes de Tarantino, a cena se transforma em uma reverência na qual o sagaz Django capta a mensagem vinda das palavras do igualmente sábio Schultz. 

O abuso das homenagens e referências se faz amplo e, já que tudo em grande escala pode ser perigoso, alguns pontos de originalidade se perdem em tal quesito, mas se ganham em outros. A verdade é que implicar com isso seria “procurar pelo em ovo” simplesmente pelo egocêntrico e controverso cineasta sempre ter sido assim. E, mais ainda: por sabermos que Quentin Tarantino continuará seguindo a carreira como Quentin Tarantino! 

MINHA NOTA: 
POR BRUNO BARRENHA. 

* Para ouvir a trilha sonora completa, clique aqui

7 comentários:

  1. BRAVO meu caro! Aldo e aquela frase antológica de Bastardos Inglórios...e ele bem diz: "acho que esta é minha obra-prima." Muito bem, achou mesmo, porque na minha opinião o título ficou até agora com Django Livre. Veremos qual será o próximo passo do Tarantino em sua trilogia histórica sobre vingança.

    E sim, o bang bang final em CandyLand é um típico Peckinpah!

    Abs.

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  2. Eis o que eu considero ser o melhor filme de Tarantino. Um belo propósito misturado a personagens incríveis. Queria ver Leonardo DiCaprio ganhando o Oscar de coadjuvante, mas já me contento com Quentin levando roteiro.

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  3. Boa crítica sobre o filme! Mas queria primeiramente parabenizar pelo ótimo blog. O conheci um tempo atrás, mas na época passei por dificuldades de acessar a internet, então não pude assistir os filmes para então ler as críticas. Resolvi esses problemas técnicos recentemente e empolgado com o filme do Tarantino, resolvi pegar os clássicos do gênero para conhecer mas não estava achando o blog de jeito nenhum e encontrando dificuldades para conseguir mais filmes do gênero. Felizmente hoje eu o encontrei e já estou explorando melhor o conteúdo, algo que pretendo fazer daqui para frente, assim como assistir aos filmes. Novamente, parabéns pela iniciativa.

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  4. Tenho uma dúvida quanto ao áudio original dos filmes dos Spaghetti Western. Originalmente eram em italiano, certo? A maioria das versões que encontrei na internet estavam em inglês. Inclusive procurei para comprar na internet (Por Um Punhado de Dólares) e o áudio do DVD era também em inglês, sem opção em italiano. Poderia esclarecer melhor essa questão? Caso já o tenha feito no blog, peço perdão, pois li apenas alguns posts ainda.

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    1. Oric, em primeiro lugar, agradeço por seus elogios ao blog, no comentário anterior.

      Sobre sua dúvida, pode ser o seguinte: como o western spaghetti foi um gênero "subversivo" na história da sétima-arte, com atores de diversas nacionalidades (exemplo disto é o próprio Clint em "Por um punhado de dólares", um dos poucos de língua inglesa no elenco), cada um dizia suas falas na língua de origem.

      Justamente por isso, em momentos posteriores, tudo era dublado! Como o maior mercado cinematográfico era o norte-americano, normalmente se faziam na língua do tal país. Porém, encontrar algum filme com o áudio original, sem dublagens feitas em estúdio, é um tanto quanto raridade, pois o número de atores normalmente era grande e a busca por pessoas de outros países, para atrair mais espectadores, também se fazia constante.

      Espero ter esclarecido!
      Abração.

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  5. Obrigado pelo esclarecimento. Abraço!

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  6. Sinceramente, só a trilha sonora me agradou neste filme.

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